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Especial Bicentenário da Imigração Alemã – João Pedro Schmitt: Fundador de Novo Hamburgo e pai do comércio no município

Schmitt montou a primeira venda de Novo Hamburgo, onde hoje se localiza a Casa Scmitt-Presser

Carta de Comércio de João Pedro Schmitt, marcando o início da regulamentação do comércio em território hamburguense – Imagem: Acervo/Fundação Scheffel

Um dos primeiros imigrantes a se instalar em Hamburguer Berg (Hamburgo Velho) foi João Pedro (Johann Peter) Schmitt. Considerado um dos fundadores de Novo Hamburgo e pai do comércio no município, Schmitt nasceu em Bechenheim Hessen, em 8 de junho de 1801. Aos 24 anos chegou a São Leopoldo, com a mãe e mais cinco irmãos. De acordo com o curador da Casa Schmitt-Presser e da Fundação Scheffel, Ângelo Reinheimer, em 1831 o imigrante recebeu terras onde hoje é o bairro Jardim Mauá, e se instalou como comerciante na casa que hoje abriga o Museu Schmitt-Presser.

Conforme Reinheimer, a casa onde Schmitt passou a ter seu comércio foi um dos primeiros imóveis a existir em Novo Hamburgo. “Era uma das únicas casas da época. Porque aqui era o caminho de passagem das tropas, tinha uma trilha aqui, não era uma rua, mas era o que se vislumbrava de que um dia seria uma estrada.  E era um entroncamento, levava pra Dois Irmãos, levava pra Campo Bom”, explica o curador.

Por estar em uma área central e que logo se tornaria um centro comercial, Schmitt rapidamente fez fortuna. Reinheimer conta que o comerciante comprava os excedentes da colônia e vendia em Porto Alegre, levando os mantimentos em lanchões através do Rio dos Sinos. Além disso, as vendas eram importantes locais de encontro, aonde as pessoas iam para negociar, se informar ou simplesmente socializar. A venda de Schmitt funcionava com armazém de secos e molhados, drogaria, armarinho, papelaria, bar, casa de ferragens e como uma espécie de ‘’agência bancária’’, uma vez que ele realizava empréstimos.

Schmitt foi o segundo imigrante alemão do Sul a se naturalizar brasileiro. Com isso, passou a ter direito a ocupar cargos públicos e legalmente, dentro do contexto da época, comercializar escravos, prática que foi abolida no Brasil apenas em 1888. De acordo com Reinheimer, registros históricos apontam que Schmitt teve escravos, mas indicam que ele não os comercializava.

Além disso, Schmitt também ingressou em negócios imobiliários, criando o primeiro loteamento privado da região, entre as décadas de 1850 e 1860. “Ele faz um grande loteamento com lotes não tão grandes como os iniciais, e passa a vender para os filhos e netos de imigrantes que estão se estabelecendo na região”, explica Reinheimer, acrescentando que por volta deste período, cerca de 20 anos após o início da colonização, muitas terras da área já estavam ocupadas.

Reinheimer ainda destaca que João Pedro foi a chave para a regularização do comércio naquela época, visto que solicitou uma carta de comercialização em 1850, mas recebeu apenas em 1860. Influente na região, ele foi escolhido para exercer as funções de Inspetor para as áreas que hoje compõem Estância Velha, Bom Jardim e Campo Bom, e em 1861 foi eleito Juiz de Paz da Capela da Piedade de Hamburger Berg.

 

A Casa Schmitt-Presser

Casa Schmitt-Presser em 1922, um ano antes do rebaixamento da rua Pinto Bandeira – Imagem: Acervo/Fundação Scheffel

João Pedro Schmitt faleceu em 16 de junho de 1868, aos 67 anos. Ao longo de sua vida, teve 20 filhos, dos quais apenas três não sobreviveram até a vida adulta. “O que demonstra que eles tinham boas condições de vida aqui. Porque na época morriam famílias inteiras por difteria, por dor de barriga”, aponta Reinheimer.

Além disso, ao morrer Schmitt deixou um considerável patrimônio de cerca de 87 contos de réis. Um dos principais indícios da riqueza de Schmitt é seu inventário, que está sob os cuidados da Fundação Scheffel. No documento, que descreve tudo que Schmitt tinha na venda, estava incluído um piano, na época um artigo de luxo até mesmo em Porto Alegre e atestado da riqueza do comerciante.

A morte de Schmitt causou um grande transtorno na colônia alemã. “Schmitt faleceu em 1868 e os lotes [que ele vendia] não estavam demarcados, e isso causou brigas homéricas entre vizinhos”, conta Reinheimer. A tensão foi tão grande que o Estado teve que intervir, ocasionando no levantamento topográfico de Ernst Müzzel, em 1870, que demarcou os lotes e as divisas do então município de São Leopoldo.

Outra curiosidade em relação à família Schmitt contada por Reinheimer é em relação ao filho mais novo de João Pedro, Adão Schmitt. Conforme explica o curador, Adão tinha dois anos quando o pai morreu. E coube a ele as terras que os outros irmãos não quiseram, que eram um charco, onde hoje se localiza a praça do Imigrante e arredores. “Só que justamente neste local foi construída a estação de trem em Novo Hamburgo, em 1876. E o que não valia absolutamente nada, do dia para a noite passou a ser a área mais cobiçada”, conta Reinheimer.

Com isso, a nova estação trouxe a urbanização e tornou Adão Adolfo Schmitt o mais rico entre todos os irmãos. Em 1890, com o dinheiro da venda de parte das terras, Adão construiu um palacete em estilo neoclássico ao lado da venda do pai, onde hoje se localiza o Museu e a Fundação Scheffel.

Já a venda de Schmitt continuou funcionando sob os cuidados de Catharina após a morte do marido. Em 1920 a casa foi alugada para abrigar a Padaria Reiss. Entre os anos de 1922 e 1923, a rua Pinto Bandeira, atual Av. Gen. Daltro Filho, foi rebaixada cerca de dois metros, fazendo com que o prédio ganhasse mais um pavimento. Neste espaço Edwino Rodolfo Presser, casado com uma filha de Adão Schmitt, reabriu o comércio, vendendo principalmente tecidos e miudezas até o início da década de 1970.

 

Patrimônio Histórico Nacional

Casa Schmitt-Presser, primeiro imóvel de arquitetura alemã a ser tombado como Patrimônio Histórico do Brasil

Em 1974 o renomado artista Ernesto Frederico Scheffel voltou ao Brasil após uma temporada na Itália, para participar dos festejos de 150 anos da imigração alemã. Após uma exposição de sucesso, surge a ideia de se criar um museu para as obras dele. Reinheimer conta que que o artista prontamente aceitou a sugestão, com a condição de que fosse no antigo casarão de Adão Schmitt, que Scheffel recordava com carinho por ter estudado no local durante a infância.

Durante as reformas do que hoje é o Museu Scheffel, o artista percebeu que a casa Schmitt-Presser, ao lado, estava prestes a ser demolida. Conforme Ângelo Reinheimer, a partir disso começou o movimento liderado pelo artista para que o prédio fosse tombado como patrimônio histórico, uma vez que havia sido uma das primeiras casas da região e residência de um dos fundadores de Novo Hamburgo.

Após inúmeras negativas do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), atualmente Iphan, Scheffel, com a intermediação de amigos e conhecidos, conseguiu encaminhar o pedido ao subsecretário de Cultura do Ministério da Educação na época, Marcos Vinicios Vilaça. “Na época o Sphan só tombava arquitetura relacionada aos portugueses. Não tinham nenhum imóvel relativo à imigração alemã tombado pelo órgão, este foi o primeiro”, relembra Reinheimer. Após anos de luta, finalmente, em 1985, a Casa Schmitt-Presser foi tombada como Patrimônio Histórico Nacional. Em 1992, o local foi aberto ao público como Museu Comunitário Casa Schmitt-Presser, reconstituindo o antigo armazém de João Pedro Schmitt.

Reinheimer ainda conta que, em 2010, se iniciou o processo de tombamento do Centro Histórico de Hamburgo Velho, a partir de uma sugestão do Iphan. “A Fundação Scheffel participou dos inventários dos bens. Em 2015, dois meses antes do Scheffel falecer, a própria presidente Dilma ligou para ele, para decretar que estava tombado todo o Centro Histórico”, relembra o curador. Com isso, mais de 60 imóveis, além do acervo de Scheffel, passaram a constituir o Centro Histórico de Hamburgo Velho.

Confira a terceira parte do Especial do Jornal Toda Hora sobre o Bicentenário da Imigração Alemã

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